A romantização do sofrimento nas redes sociais
Nos últimos anos, um fenômeno tem chamado a atenção nas redes sociais: a exposição da dor em vídeos e postagens, muitas vezes editados com músicas emotivas, legendas impactantes e filtros estéticos. Seja um término de namoro, um diagnóstico de doença ou diante de uma perda, não são poucos os usuários que escolhem compartilhar lágrimas e desabafos em frente à câmera. Mas será que essa romantização do sofrimento contribui para a saúde mental ou pode se tornar um gatilho para quem assiste?
Para o psicólogo e professor do curso de Psicologia da Estácio, Thiago Lacerda, o tema exige cautela. “As redes sociais criaram um espaço em que tudo vira conteúdo, inclusive a dor. Isso pode gerar uma falsa sensação de acolhimento imediato, mas também reforça uma dinâmica de espetáculo do sofrimento, que muitas vezes impede a elaboração saudável dessas emoções”, explica.
Segundo Lacerda, expor a vulnerabilidade pode ter duas faces. De um lado, compartilhar sentimentos pode ajudar a diminuir o isolamento e gerar identificação. “Há quem encontre apoio real em comentários solidários, em mensagens privadas de pessoas que passaram por situações semelhantes”, afirma.
Por outro lado, o psicólogo alerta que a validação virtual é passageira. “Quando o alívio depende exclusivamente de curtidas e visualizações, há o risco de a pessoa se frustrar ainda mais se não recebe a atenção esperada. Isso pode aprofundar o sofrimento em vez de aliviar”, completa.
Para o público, esse tipo de conteúdo pode servir tanto como ponto de conexão quanto como gatilho emocional. “Pessoas em fragilidade emocional podem se comparar com aquela dor exposta e sentir que a própria vida é ainda mais solitária ou sem sentido”, explica Lacerda. O risco aumenta no caso de adolescentes e jovens, público que passa mais tempo nas redes e tem maior propensão à influência social.
No contexto do Setembro Amarelo, campanha dedicada à prevenção do suicídio, a discussão ganha ainda mais relevância. A romantização do sofrimento pode banalizar o sofrimento psíquico ou até normalizar a ideia de que a dor precisa ser exibida para ser validada. “É importante reforçar que sentir tristeza, luto ou frustração faz parte da vida, mas que procurar ajuda profissional continua sendo o caminho mais saudável e seguro para atravessar momentos difíceis”, pontua o psicólogo.
O especialista sugere que, antes de publicar um momento de vulnerabilidade, cada pessoa reflita: isso vai me ajudar de verdade ou estou buscando uma validação imediata? Além disso, consumir esse tipo de conteúdo exige cuidado. Se determinado vídeo causa incômodo ou intensifica a própria angústia, o ideal é limitar a exposição e buscar apoio em conversas reais. “Não se trata de censurar emoções, mas de lembrar que a vida vai além das redes sociais. O acolhimento mais potente, na maior parte das vezes, acontece fora das telas”, finaliza.